O Menino Quadradinho traz a história de um garoto
que se encanta pelo gibi e é tragado por ele por meio de suas cores, mistérios,
heróis e personagens.
Ele adora as histórias em quadrinhos e, entre um
quadrinho e outro, ele depara com seus super-heróis e amigos, construindo
muitas histórias divertidas, além de penetrar em mundos inimagináveis.
Acredita
que já experimentou o suficiente para ser feliz, até que um dia encontra o
valor e o mistério das palavras — uma descoberta fantástica que abre portas
para outros mundos — que leva o menino a crescer, a mudar de fase,
despertando-o para outros prazeres e experiências fantásticas que a vida lhe
preparou.
A palavra é algo precioso que
redimensiona o ser humano, pois, como diz o autor, é “lavra e pá. A primeira é
ouro, é pedra preciosa, é mina: lavra. A segunda é o instrumento, a ferramenta:
pá. A palavra é, pois, mina e ferramenta ao mesmo tempo, palavra!” (p. 24).
Editado
pela primeira vez em 1989, nesta obra, Ziraldo apresenta para o leitor um menino que vive na era da comunicação pela imagem, que pode, muitas vezes, substituir a palavra. A
narrativa revela metaforicamente a passagem da infância para a adolescência sob
um olhar fotográfico, cinematográfico, televisivo,
utilizando a técnica dos quadrinhos que abre espaço para múltiplas leituras e que
dialogam com várias histórias.
De
repente o menino quadradinho descobriu que tinha vindo parar do lado de fora
dos seus quadrinhos coloridos. Sem saber onde ficava a saída. Sem saber onde
ficava a entrada. E súbito, ele ouve uma voz que lhe diz: “trouxeste a
chave?” Assim mesmo: trouxeste a chave? Que chave se
ele nem sabia que havia portas!?
Vai
ver , era a chave para abrir a porta do reino das palavras, onde ele foi
penetrando, assustado e caladinho (Pinto, 1989, p. 21-22).
Adaptado para o cinema em 2006, o projeto foi um dos
vencedores do "Prêmio Nacional de Incentivo à Produção de Curtas-Metragens
Infanto-Juvenis" pelo Ministério da
Cultura, sendo considerado uma metáfora
para o processo de alfabetização e um clássico da literatura infanto-juvenil
brasileira de forma educativa, divertida e ousada.
O Menino Quadradinho além de ser uma narrativa
quadrinizada, caracteriza-se pela linguagem verbal e a não-verbal que são
utilizadas para explicar o gênero textual histórias em quadrinhos e, ainda, a
própria necessidade do ser humano de narrar-se, através das mais variadas
linguagens.
Cabe acrescentar aqui, um
pequeno adendo sobre as histórias em quadrinhos que
surgiram com o progresso técnico proporcionado pela Revolução
Industrial, que permitiu a impressão e a distribuição de revistas em larga
escala. As primeiras histórias em quadrinhos foram publicadas nos jornais, em
tiras, com o intuito de ampliar a clientela de leitores adultos, mas o público
que mais aderiu ao gênero foi o infantil, que até hoje se diverte com essas
histórias.
Por volta dos anos 1930,
passaram a ser impressas em revistas exclusivas, tornando conhecidos, em todo o
mundo. No Brasil, a primeira revista em quadrinhos dedicada às crianças foi O Tico-Tico, surgida em 1905. A essa
publicação seguiram-se várias outras, como Gibi, lançada em 1938, no Rio de Janeiro, com grande aceitação entre
as crianças e os adolescentes, cujo nome se tornou sinônimo desse suporte
textual. O significado mais antigo de gibi é “moleque”.
Na década de 1960, os
quadrinhos ganharam excelentes artistas, como Ziraldo, Mauricio de Sousa,
Henfil e Luis Fernando Verissimo, e, com eles, muitos personagens maravilhosos
e divertidos.
Hoje contamos com uma
infinidade de revistas em quadrinhos, autores e sites especializados que
ampliam o universe dessas histórias, trazendo personagens, assuntos e temas
diversos. Para elaborar Histórias em
Quadrinhos, esses artistas gráficos usam uma variedade de recursos e
artifícios, como enquadramento, perspectiva, efeitos de luz e sombra,
movimento, expressões faciais e corporais, que seduzem o leitor e evitam a
monotonia e, também, exploram outros
elementos que compõem o gênero, que são os sinais gráficos, os balões e os
traços indicadores de movimento.
Em o Menino Maluquinho, Ziraldo consegue, com êxito,
aproveitar elementos criativos, próprios das histórias em quadrinho, tais como
o balão e a onomatopéia (visualização espacial do som), buscando reproduzir a
fala, com o uso das interjeições, das reduções vocabulares etc.
Observa-se
ainda, que o personagem principal — O Menino Quadradinho — é desenhado com
perspectiva cartunizada, havendo maior identificação entre leitor e personagem,
garantizando assim, um maior envolvimento com o público, independente da faixa
etária a qual pertença.
Nos primeiros quadrinhos, as
imagens figurativas de um cachorro e de objetos causam certo suspense no
leitor, levando-o a fazer inferências sobre
a quem pertenceriam tais coisas. Em seguida, o leitor sintetiza as informações
recebidas nas imagens e verifica que todas elas estão relacionadas ao universo
de um menino. Na página seguinte, sua análise é confirmada, uma vez que lhe é
apresentado o personagem dividido em quadradinhos.
A escassez da palavra
escrita ainda na página de abertura amplia a curiosidade do leitor, que se
coloca na posição de narrador. O balão do primeiro quadro que contém a
expressão “Era uma vez” é o único indicador do mundo de aventura que se inicia,
já que é a fórmula clássica de despertar o
conhecimento prévio do leitor para que se crie uma expectativa em relação ao texto narrativo e a seus elementos constitutivos. No caso
do Menino Quadradinho, a voz que se
apresenta como do narrador é representada, a princípio, como de um pássaro, que
anuncia o protagonista das futuras ações: o menino.
“Era
uma vez um menino que morava dentro de uma história em quadrinhos. Todos diziam
que ele estava era preso aqui dentro. E, por isso, o chamavam e menino
quadradinho[…]”
Ao
longo desse caminho, o narrador-pássaro cede a vez e a voz ao protagonista-menino,
que, numa relação direta com o leitor, se apresenta, instaurando-se como
enunciador, porém, mais tarde, o
narrador retoma a palavra, ocupando o pequeno espaço das legendas no alto dos
quadrinhos, como observador dos acontecimentos, que elabora seu texto de acordo
com o mundo narrado.
A técnica de surpreender o leitor à medida que o mesmo
vira a página é recorrente nas obras de Ziraldo, pois desta forma, o autor
garante uma ampla participação do destinatário na composição da narrativa,
aumentando a interação entre narrador-leitor.
Ao virar a folha, as duas páginas abertas formam um
quadro e os olhos do leitor se perdem na imagem de um menino sentado com a
natureza ao seu redor. O deslumbramento com a apresentação seqüencial dos
quadros é inevitável, pois os quadrinhos se apresentam dispostos de tal forma
que o leitor é levado, inicialmente, a olhar o todo e só depois a olhar as
partes.
Em outras páginas que também podem ser observadas como
um conjunto, prosseguem mantendo a imagem similar a um grande quadro e, ao lado
disso, surgem novos balões, em número de quatro, dos quais é possível perceber a
função de apresentação/configuração da personagem principal: O Menino
Quadradinho.
A organização dos quadros volta a corresponder ao modelo mais comumente
encontrado nos trabalhos de Ziraldo : cerca de seis quadros por página, os
quais seguem seqüência que, para ser compreendida, necessita da leitura feita
da esquerda para a direita. Segundo o próprio autor, essa quantidade de quadros
justifica-se pela melhor visualização e acompanhamento por parte do leitor;
assim tornando-se mais fácil a leitura e a percepção do todo.
Nesse ponto da história, já se evidenciam com mais
clareza algumas das técnicas, as quais compõem a estrutura de uma história em
quadrinhos e que raramente podem ser utilizadas por outros gêneros textuais.
Inclui-se o uso exagerado das cores; quadros com linguagem verbal inexistente e a apresentação de um único personagem, o que
denota maior intimidade entre este último e o leitor.
Na página 10, por exemplo, a personagem interage com o
leitor como se pudesse compreender seus desejos, anseios e dúvidas. Assim, faz
uso das onomatopéias sem moderação, explicando, inclusive, seus possíveis
significados, demonstrando habilidade e pleno domínio da estrutura das histórias
em quadrinhos.
Há a valorização da intertextualidade nesta obra de
Ziraldo, que incorpora num mesmo texto personagens de épocas, estilos e
nacionalidades diferentes, como super-heróis renomados e outros personagens
próprios das histórias em quadrinhos : Super-Homem, Batman, Turma do Pererê,
Horácio, Tarzan, Capitão-América, Mickey, Homem-Aranha, Menino Maluquinho, etc.
comprovando assim a imensidão criativa inerente a esse gênero.
Nas páginas 16 e 17, pode-se observar que o menino
quadradinho apresenta múltiplas faces, o que garante a manutenção da ausência
de identidade que a personagem exalta desde o início da narrativa. Porém, é
possível inferir que o mesmo ainda é uma criança, visto que há a recorrente
representação de brincadeiras propriamente infantis como: tocar gaita, ler
gibi, soltar pipa, pular carniça, descer de uma corda, correr, etc.
Além do mais, a apresentação do texto revela que os heróis consagrados dos quadrinhos são seus amigos, tão próximos que estão quadro-a-quadro do menino protagonista. Em ambas as páginas as ações projetadas pelo desenhista – neste caso o próprio autor – só ganham vida através do auxílio e do apoio do leitor, que se torna cúmplice à medida que isto ocorre voluntariamente.
Além do mais, a apresentação do texto revela que os heróis consagrados dos quadrinhos são seus amigos, tão próximos que estão quadro-a-quadro do menino protagonista. Em ambas as páginas as ações projetadas pelo desenhista – neste caso o próprio autor – só ganham vida através do auxílio e do apoio do leitor, que se torna cúmplice à medida que isto ocorre voluntariamente.
Daí brota o enriquecimento da história, uma vez que
cada leitor com sua imaginação e conhecimento de mundo irá atribuir novas
significações a imagens aparentemente simples.
A inovação estética de O Menino Quadradinho pode ser
percebida a todo momento, afinal a cada página o leitor se surpreende diante da
aparente descontinuidade que permeia todo a obra. A quebra da seqüência
previsível torna a história tão incerta quanto a identificação do personagem,
não sendo possível nem mesmo ao leitor mais experiente descobrir o fim da
história. Nessa perspectiva, o que era ou parecia uma típica história em
quadrinhos vai perdendo seus principais elementos como a cor, os quadros, os
balões e assim descaracteriza-se por completo (p.19).
No decorrer da narrativa, o
garoto convida o leitor a experimentar,
com ele, a passagem da infância para a adolescência por meio do corpo gráfico
da escrita — que cobre literalmente o espaço branco da página— e vai diminuindo de tamanho, mostrando
visualmente o aprofundamento gradativo do menino no mundo da cultura que a
palavra instaura e comunica aos que aprendem a morar em seu mundo.
Desta vez o menino não entendeu o que as palavras estavam dizendo.
Agora, eram elas é que iam de ter paciência com ele, tadinho, que havia
acordado do lado de fora da sua infância (p. 25).
Essa transição da infância, em
que a ação é realizada de forma prática, para a adolescência, em que a pessoa, além de ser capaz de realizá-la,
analisa os conceitos envolvidos na tarefa,
gera no menino desconforto e medo, porque, em certos momentos, ele não
sente pertencer àquele universo, o que o leva ao questionamento:
Esse conflito se intensifica
ainda mais à medida que seu desejo é instigado a experimentar o novo e outros
modos de viver. O
desafio é grande, mas o menino quadradinho aceita e tece sua história tentando
entender o encaixe das peças desse quebra-cabeça, dialogando com a visão pura
da fantasia que existe dentro dele e os diferentes mundos apresentados pela
palavra, a realidade.
Vale dizer que uma grande surpresa aguarda o leitor a
cada virada de página, pois é, dessa forma, que O Menino Quadradinho começa sua
caminhada rumo à vida adulta: do dia para a noite, as coisas parecem não ser
mais como antes. As brincadeiras, sonhos e atitudes comuns ao universo infantil
vão sendo substituídos pela nova realidade que surge. O susto apavora o menino
diante do inesperado e o estado de vir-a-ser não o agrada.
As mudanças começam pelo tamanho das letras que vão
diminuindo pouco a pouco, página por página, até o fim. Isso remete à concepção
de educação administrada no ambiente escolar, onde nas séries iniciais, no
período da alfabetização, os livros apresentam textos curtos com letras grandes
junto das quais ainda há a predominância de imagens, que buscam auxiliar na
compreensão do texto, porém, à medida que os anos vão passando, os textos
tendem a ser maiores com letras menores e as figuras são praticamente
inexistentes, o que nos leva a dizer que
essa transformação ocorre com o menino e o estranhamento que exprime só vai ser
aliviado com a presença de novos personagens: as palavras.
A todo momento, as palavras, que vão se apresentando no
lugar das imagens, advertem o protagonista de que a aprendizagem é um processo
lento, gradual e só a paciência e o tempo serão capazes de reorganizar aquilo
que parecia tão estável e confortável e, como tal, não merecia ser modificado.
Ziraldo constrói essa trajetória de transição por meio
da interdiscursividade, colocando o leitor em contato com outros textos: Emília
no País da Gramática, Dom Quixote, Peter Pan e a Bíblia , mostrando assim que a
narrativa de O Menino Quadradinho, além de obedecer à lógica do crescimento
humano, acusa a presença de outros textos anteriores que lhe inspiram ou
influenciam.
A
partir da página 22, a história assume globalmente sua natureza verbal, mas
mesmo assim, o autor ainda utiliza um recurso visual: à medida que o personagem
compreende o papel das palavras e “amadurece”, o tamanho das letras, a
princípio agigantado, vai diminuindo progressivamente, até que, na última
página, assumem uma forma
como as letras de um romance, pequenas, uniformes, sem o acompanhamento de
ilustrações.
Na tentativa de confortá-lo, as palavras alternam-se
para tornar mais dinâmica a interação, e também trazem aspectos pertinentes ao
mundo das histórias em quadrinhos a fim de tornar mais clara a idéia de
continuidade que dá sentido à vida, ou seja, partir da realidade do personagem
para explicar o desconhecido, tornando mais rápida a aceitação.
É possível afirmar que com a retirada dos quadrinhos há a perda da visualidade explícita, porém esta é substituída pela linguagem puramente verbal e, essa transição do projeto gráfico para o verbal, não implica em menores possibilidades expressivas, pois a contribuição antes emitida por meio das cores e imagens é substituída pelo imaginário acionado por via da palavra já totalmente conhecida pelo leitor.
É possível afirmar que com a retirada dos quadrinhos há a perda da visualidade explícita, porém esta é substituída pela linguagem puramente verbal e, essa transição do projeto gráfico para o verbal, não implica em menores possibilidades expressivas, pois a contribuição antes emitida por meio das cores e imagens é substituída pelo imaginário acionado por via da palavra já totalmente conhecida pelo leitor.
Poder-se-ia dizer que esta história enfatiza as
diferenças entre palavras e imagens e, também, revela a
preocupação com a importância que se dá ao visual em relação às palavras,
mediante os problemas do personagem — um menino— preso por atrativos formais
das histórias em quadrinhos e indiferente à leitura das palavras.
É possível ainda, dividir a história em duas partes: uma construída por imagens e outra
por palavras Assim, na primeira parte, até a página 19, o livro
apresenta a reprodução de uma narrativa quadrinizada, na qual percebe-se a
multiplicação de sentidos que o leitor pode produzir ao ler a obra.
Usando
metalinguagem Ziraldo constrói sua narrativa e coloca o leitor diante de um
duplo cenário — um alegre colorido e ensolarado— com o menino por trás das
“grades” de uma janela, que também representam os espaços em branco dos
quadrinhos; e outro, representa o verso deste cenário, ou o que “há por trás” das histórias em quadrinhos.
Sugere que o
leitor observe os diierentes caminhos que o menino com sua imaginação e
liberdade pode percorrer, liberdade esta que pode estar limitada pelo próprio
espaço físico dos quadrinhos ou pelo excesso de atração que o menino possa
sentir pelas imagens das histórias em quadrinhos tornando-o preso.
Já
na segunda parte, da página 19 até 30, o
livro apresenta texto verbal, colocando em destaque a linguagem e suas
possibilidades expressivas, indo em oposição ao senso comum de que as imagens
dizem mais ao jovem leitor, pois a obra atribui à narrativa verbal sem
ilustrações o poder de criar mundos imaginativos, portanto as palavras
tornam-se as protagonistas para demonstrar sua importância nas histórias em
quadrinhos.
Entretanto, é no final da narrativa, que tudo passa a
fazer sentido, pois o texto em si é uma metáfora do crescimento e, isto faz com
que o público-alvo deste livro seja ampliado, pois apesar de ser aparentemente
voltado para crianças, O Menino Quadradinho, apresenta reflexões pertinentes à evolução e
desenvolvimento do ser humano, despertando interesse até dos que já passaram
dessa fase e, isto pode ser comprovado nas últimas linhas do texto, que
refletem o interesse do autor em dialogar com o leitor, mostrando assim a diversidade de faixas etárias às quais se
destina esse livro:
“Agora, leitor, que você também chegou até aqui, estou certo de que vai me dizer: “Momento, isto não é um livro para crianças”. E eu responderei: “Não. Não é. Este é um livro como a vida. Só é para crianças no começo”.(p. 30)
O
Menino Quadradinho — Ziraldo
Autor
e Ilustrador:
Ziraldo Alves PintoEditora: Melhoramentos
Origem: Nacional
Preço: De R$ 19,20 até R$ 24,00
Blog Livros Pra Ler e Reler
Tags:
Ziraldo, Menino Quadradinho, histórias em quadrinhos, gibi,
personagem, quadrado, balão, pássaro, palavras, imagens, cores, mistérios, heróis, personagens,
Emíliano País da Gramática, Dom Quixote, Peter Pan, Bíblia, narrador.
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