É notório que a literatura russa clássica tem um quê de crítica social, portanto, torna-se quase impossível separar a narrativa e a realidade da Rússia na metade do século XIX que passava por um lento processo de transformação.
A conformação social da época lembrava a da Idade Média europeia com a prevalência das relações senhoriais. Mas, no ambiente urbano, desenvolvia-se uma burocracia que se entranha nas malhas do poder czarista. O serviço público russo se mesclava às relações de status típicas da nobreza. Isso produzia um contexto estranho em que a burocracia passa a aparelhar a estrutura estatal ao mesmo tempo em que valoriza o título em si. E é essa uma das críticas que Gogol faz em O Capote.
No conto, Akaki Akakiévitch é um funcionário inexpressivo em uma repartição pública. Solteiro, com uma vida medíocre, cujo salário baixo mal dá para suas necessidades básicas, é motivo de piadas entre seus colegas por causa de suas roupas esfarrapadas representadas pelo seu capote remendado.
Um dia ao levar o capote ao alfaiate Petrovitch para mais um conserto, este se recusa a fazê-lo dizendo que a roupa está num estado ruim demais. Ele praticamente obriga Akaki a adquirir um capote novo. Após alguns meses de privações, o personagem adquire a vestimenta. Esta é tão bonita que seu status na repartição muda completamente, chamando a atenção de seus colegas
Gogol usa o próprio capote como um personagem. Ele adquire vida e regula as ações do personagem que é retratado como um personagem cabisbaixo e até muquirana, devido a seu baixo salário, já que o capote remendado representa o seu nível de vida.
Assim, ao usar um capote novo, parece que ele conseguiu ascender socialmente, a ponto de ele ser notado pelos seus pares. Pode-se entender que o simples símbolo do capote como a demonstração da desigualdade social entre uma classe média burguesa e o campesinato que ocupa baixos cargos. Isso é simbolizado também pela caminhada de Akaki até a casa de seu chefe. Ele sai de seu bairro onde moram poucas pessoas e tudo é escuro para um bairro brilhante onde as pessoas usam roupas elegantes e estão pelas ruas.
Na verdade, ele representa tudo aquilo que a sociedade capitalista representa de ruim, ainda que esse conto tenha sido escrito em 1842, até hoje esse hábito ainda é “muito comum” já que vemos pessoas em determinadas posições adotarem máscaras e comportamentos diferentes apenas para se sentirem superiores aos demais.
No conto, Akaki está desesperado para tentar falar com um policial e acaba esbarrando em uma imensa burocracia que emperra as suas necessidades. Esse detalhe é baseado totalmente na experiência russa do período e que, pelo jeito, perdura até hoje já que muitas vezes povos e mais povos não conseguem resolver seus problemas se não tiverem os contatos certos e, muitos, dependem do suborno a funcionários para conseguir fugir da imensa malha burocrática.
É recomendado ao leitor ler calma e minuciosamente para não deixar escapar alguns detalhes
importantes, principalmente, quando o autor apresenta seus personagens já que ele
precisava falar sobre a “ vida de um homem importante” e sobre o funcionamento da “vida de um
artesão” dentro do ambiente urbano de São Petersburgo.
Nome: O Capote
Autor: Nikolai Gógol
Editora: Wish
Tradutor: Fábio M. Barreto (publicado originalmente em 1842)
Tags: Capote, funcionário público, artesão, restrições, inverno, alfaiate, triste.