Éramos Seis — Maria José Dupré


Éramos Seis de Maria José Dupré, apresenta a trajetória de uma típica família de classe média paulistana, a família Lemos, cuja matriarca Dona Lola, é a protagonista e narradora da história. A obra abrange um período de vinte e oito anos, iniciando em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial e terminando em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, no final do Estado Novo.

Publicada pela primeira vez em 1943, faz parte da Série Vaga-Lume — coleção de livros brasileiros voltada para o público infanto-juvenil, pela Editora Ática. Apesar de a autora ser conhecida pelas obras voltadas ao público infantil e juvenil, também possui uma significante produção de romances retratando a sociedade em meados do século XX.

Dupré, como escritora, foi de grande importância para o cenário cultural Paulista em uma época em que para a sociedade, a mulher deveria ficar em casa cuidando dos filhos. Assim, a autora, quebrou paradigmas ao escrever Éramos Seis, que acabou vendendo mais de um milhão de exemplares, o qual lhe rendeu diversos prêmios da literatura brasileira, destacando-se: Premio Raul Pompéia, da Academia Brasileira de Letras e o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.

A obra também foi adaptada para o cinema em 1945 na Argentina.  Na televisão ganhou quatro versões em formato de telenovela, sendo a primeira delas em 1958, pela RecordTV, escrita e dirigida por Ciro Bassini. A segunda versão foi adaptada por Pola Civelli, em 1967, na Rede Tupi. Em 1977, a Rede Tupi realizou a terceira adaptação, sendo a segunda vez em sua grade, escrita por Silvio de Abreu. Em 1994, a quarta versão foi realizada pelo SBT, escrita novamente por Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho e, em 2019, irá ao ar a quinta versão, pela Rede Globo, escrita por Ângela Chaves.

Éramos Seis é um romance clássico que tem emocionado muitas gerações e relata a vida  da família Lemos no início do século XX, no interior de Itapetininga, São Paulo, cujo título já nos sugere a história do livro — A situação de Dona Lola ao fim da vida, sozinha num asilo: Antes eram seis, agora só resta ela.

No início da obra, o leitor tem sua atenção desviada para uma chamada na orelha do livro,  ilustrada em uma linguagem informal e com gírias próprias da realidade juvenil, onde a autora demonstra uma preocupação em se aproximar de um determinado público com uma mensagem rápida e cheia de suspense por meio da fala: Oi, bicho! Aí vai a história de mamãe Lola, uma história de gente como a gente. Tem o Julinho, que um dia inventa de soltar os cachorros da carrocinha. Tem o Alfredo, brigão desde criança, que acaba indo para a guerra. Tem a Isabel, com seu namoro contrariado. Tem... ah, vou parar por aqui. O resto você vai saber lendo o livro. Tchau!

Nos primeiros capítulos vemos a força e a união de uma família para vencer os conflitos e a pobreza para criar e educar os filhos. A vida de Dona Lola é narrada desde a infância das crianças, quando Júlio trabalha para pagar as prestações da tão sonhada “casa própria”, onde moram, passando pela chegada dos filhos à fase adulta e de Dona Lola à velhice.

A obra é narrada em primeira pessoa pela protagonista Dona Lola, uma típica dona de casa do começo do século passado, cujo nome verdadeiro é Eleonora. O romance inicia a partir de suas lembranças e aborda o período de grandes transformações sociais e comportamentais da sociedade paulista, o qual serve como pano de fundo ao romance e, por vezes, é possível perceber que tais mudanças são vivenciados pela família Lemos, como por exemplo: a gripe espanhola de 1918, a Revolução Paulista de 1924, e a Revolução Constitucionalista de 1932. No capítulo final, também é citada, brevemente, a Segunda Guerra Mundial, através de uma carta do personagem Alfredo.

Os Lemos moravam na Avenida Angélica, nas proximidades do parque Buenos Aires, em São Paulo, numa casa que Júlio, o patriarca, com o trabalho de vendedor, tentava pagar as prestações do sonho da casa própria.  Observa-se que o local é exposto pela narradora com um triste saudosismo logo nas primeiras páginas, visão esta relacionada à sua velhice e à chegada dos rebentos à fase adulta.

Durante o desenrolar da história, o leitor vai observar nas falas de Dona Lola, a postura da mulher de família da época, que é vista como uma mãe/esposa submissa que não participa das decisões familiares, doando-se aos afazeres domésticos, depositando toda a sua felicidade no bem estar de sua família, que apresentam personalidades diferentes entre si. Lola, é o que chamaríamos de “Amélia” que, durante toda a narrativa, a protagonista tenta convencer o leitor de que é uma esposa feliz, entretanto, não consegue esconder  suas inseguranças sobre suas qualidades como mãe, já que apesar de ser a responsável pela educação das crianças, na fala do marido, Lola é sempre responsabilizada pelas falhas dos filhos.

O leitor é apresentado ao Sr. Júlio, o patriarca da família Lemos, que trabalha em uma loja de tecidos e por vezes chega em casa embriagado e com dor de estômago. Mais tarde, convidado para ser sócio da empresa, passa a ser gerente da loja, contudo depois da moléstia vai para o escritório com o mesmo salário. Vale lembrar que, seu Júlio e Dona Lola, durante anos,  fizeram economias para juntar o dinheiro necessário e quitar as prestações da casa, mas infelizmente Júlio não resiste a uma cirurgia e vem a falecer de parada cardíaca.

Júlio, era um marido e pai com um lado rude, bastante autoritário na educação dos filhos, mas ao mesmo tempo afeiçoado a sua família. Era o patriarca da família e, como tal, detinha a palavra final e, também, representava o grande temor dos filhos, exceto Isabel que era sua filha preferida. Sujeito trabalhador e turrão não era afetuoso com a mulher nem com os filhos, já que representava todo o machismo da época, cuja família brasileira era composta pelo pai que era o provedor, a mãe que zelava o lar e era responsável pela educação dos filhos, que à medida em que crescem fica claro o quanto eram diferentes entre si.

Carlos, o Calucho, o filho mais velho e mais afeiçoado da mãe, representa a moralidade cristã e tradicional. Trabalhador, amável, estudioso e acima de tudo, amigo, iniciou Medicina, mas trancou a matrícula para ajudar sua mãe. Morre da mesma enfermidade de seu pai.

Alfredo é o que se pode chamar de bon vivant, não gosta de trabalhar nem de estudar e   segue uma via oposta às virtudes esperadas pelo corpo social do período. Reprovado na escola e sérias reclamações por seu mau comportamento, passava horas nas ruas com moleques e, por diversas vezes, foi demitido dos empregos por furto. Anos mais tarde se envolve em reuniões políticas até quase ser preso e fugir num cargueiro para os EUA.  Vivia em busca de um ideal.

Julinho era negociador, amante dos livros, focado e determinado. Queria cursar engenharia no Mackenzie. Trabalhou em loja. Negociante, foi para o Rio de Janeiro gerenciar uma loja. Mais tarde casa-se com a filha do patrão com quem teve 2 filhas.

Isabel, princesa da família e a menina dos olhos de ouro do pai, pretende se casar e ser muito feliz. Vaidosa, inteligente, educada, intensa, impulsiva, acaba por trazer um tema polêmico — o divórcio, que na época era inconcebível, sendo essa questão a responsável pelo afastamento de Isabel de sua família, após sua união com um homem separado.

No desenrolar da história, a rotina da família é abalada com a morte do Sr. Júlio e  Dona  Lola vê-se obrigada a vender a casa na qual viveram tantos anos e passa a trabalhar muito mais, privando-se de tudo e na velhice, vê um por um de seus filhos ir embora, até que os seis se reduzem em apenas um, D.Eleonor, a Lola.  

O leitor ao mergulhar na história, nota que o tema de Éramos Seis desperta algumas reflexões sobre preconceito e como as questões culturais influenciam a vida das pessoas.  Como exemplo, pode-se citar o divórcio que era inconcebível em uma família naquela época, hoje, é uma coisa normal.  É possível dizer ainda que alguns temas que provocam  polêmicas nos dias atuais e que ainda separam famílias por causa do preconceito e da falta de entendimento, num futuro bem próximo será absolutamente normal, já que as leis estão se adequando para garantir os direitos da comunidade.

Éramos Seis é um livro que pode ser lido por homens, mulheres, adultos, crianças, independente de classe social, tanto que é um dos livros mais frequentemente utilizados/indicados , principalmente, nas séries finais do ensino fundamental.

Dona Lola, uma mulher simples, forte, guerreira, trabalhadora, amiga, companheira e uma excelente cozinheira, que não hesita em se utilizar desse “dom” como seu ganha pão, nas horas das adversidades da vida, o que conduz o leitor a se questionar quantas “D.Lolas” existe pelo Brasil afora na mesma ou pior situação?  “Lolas” que abdicam da própria vida pela felicidade dos filhos, mas, ao longo dos anos, terminam sozinhas acompanhadas da saudade no coração, da solidão e, principalmente, da dor da ausência daqueles que foram sua razão de vida.

Outro detalhe interessante é que dona Lola costumava receber da irmã,  em algumas datas, seis presentinhos, e com o passar dos anos ela passou a receber um número cada vez menor dessas lembrancinhas. No final do livro, na velhice, Lola recebe apenas uma lembrancinha... Daí o título do romance que vem da situação de Dona Lola ao fim da vida, sozinha num quartinho alugado, em uma confortável pensão de freiras, dirigida pelas Irmãs Esperança, na Rua da Consolação, em São Paulo. Antes, eram seis e agora só resta Dona Lola — Uma velhice cheia de solidão com gosto de saudade.

“O céu está sombrio e escuro, cinzento-escuro. O que foi a vida em todos esses anos? Sacrifício e devotamento. É como ver numa tarde assim de chuva, pesada de tristezas. Mas não sei lamentar; se fosse preciso recomeçar novamente, novamente faria minha vida a mesma que foi, de sacrifício e devotamento. Devo ser feliz porque cada filho seguiu o caminho escolhido. Grossas gotas de chuva caem do céu sobre a terra, sobre as árvores e sobre os telhados. Cor de cinza. Solidão.” — Último parágrafo do livro Éramos seis.

Éramos Seis — Maria José Dupré
Autora: Maria José Dupré
Primeira publicação: 1943
Preço: A partir de R$ 43,90 
Edição: Editora Ática

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