Apologia de Sócrates (Platão)


“Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas [...] e todos os outros bens, tanto públicos como privados. Se, falando assim, eu corrompo os jovens,[...] Por isso vos direi, cidadãos atenienses, absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes.”

Na obra Apologia de Sócrates ou simplesmente Apologia, Platão descreve Sócrates como “o homem mais justo e honrado de sua época”, que ao confrontar o Estado e defender  a liberdade do pensamento, acaba sendo acusado de “negligenciar a adoração dos deuses cultuados pela cidade” e “corromper os jovens” e por isso acaba sendo julgado e levado à pena de morte.

Na Apologia  Platão relata a defesa de Sócrates, conduzida por ele mesmo,  através de um longo discurso em sua própria defesa, cuja  bandeira levantada estava relacionada à sabedoria, onde o pilar central era a consciência da sua ignorância — Só sei que nada sei. Essa era a principal premissa que faria de Sócrates um verdadeiro sábio: a humildade em admitir que pouco se sabe diante de um universo tão cheio de mistérios.

Ao descobrir, através de seu amigo Querofonte, que em visita ao templo de Apolo, em Delfos, ouviu do oráculo que ele, Sócrates, era "o mais sábio dentre os homens da Grécia", o filósofo sai por Atenas em busca de respostas para comprovar que realmente era o mais sábio, levando sua sabedoria até os outros.

Provavelmente, Sócrates, foi o maior filósofo de todos os tempos e a mente mais iluminada do ocidente em sua época e, até hoje, é uma figura enigmática, conhecida principalmente através dos relatos em obras de escritores que viveram mais tarde, especialmente, por dois de seus alunos, Platão e Xenofonte, bem como pelas peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes.

Na visão de Platão, Sócrates foi vítima do poder do discurso político, que agiu contra o raciocínio filosófico. Platão acreditava na superioridade da filosofia sobre a política, a qual deveria dirigir os rumos da segunda.

O fato é que apesar de Sócrates não ter deixado nada escrito, não ter criado escola alguma, nem elaborado qualquer teoria, sua filosofia mudou o modo de pensar da sociedade, do homem, da ética e da política. Sócrates acreditava que poderia conduzir seus interlocutores ao conhecimento puro e verdadeiro, já que para ele o conhecimento era inato ao homem e que este apenas precisava ser conduzido até ele.

A ironia e a maiêutica constituíam as principais formas de atuação do método dialético de Sócrates, desfazendo equívocos e proporcionando a criação de juízos cada vez mais fundamentados no lógos ou razão.

O filósofo questionava as pessoas sobre a definição de algo específico que condizia com aquele momento, e as fazia questionar e se autocorrigir, abandonando assim os pré-conceitos e passasse a pensar, a refletir por si mesmo.  

Para Sócrates a melhor compreensão vem de uma reflexão do próprio  indivíduo, que descobre assim o sentido do que procura.  O filósofo busca apenas mostrar o caminho que o indivíduo tem que seguir para buscar o entendimento.

Sócrates viveu em Atenas, na Grécia, na segunda metade do século V a.C. e, acredita-se que, quando jovem, tenha estudado filosofia natural, examinando as várias explicações sobre a natureza do universo, até se envolver com a política da cidade-estado e interessar-se por assuntos práticos com a natureza da justiça.

Durante os seus 70 anos de vida, Sócrates (469-399 a.C.) procurou ensinar, através da dialética (diálogos), as verdades espirituais eternas, questionando sempre as falsas tradições da cultura helenística, por isso acabou despertando ódio e inimizades entre os detentores do poder e da cultura.

A Apologia de Sócrates ou simplesmente Apologia relata a defesa de Sócrates feita por ele mesmo, que após ser julgado é condenado à morte sob as acusações de não cultuar os deuses da cidade, tentar introduzir novas divindades e corromper a juventude com suas ideias de argumentar, questionar, analisar, refletir e, acima de tudo, pensar.

As acusações não intimidaram o pensador, que decidiu conduzir a própria defesa, dando origem aos textos Êutifron (narra o filósofo em seu caminho para o tribunal, onde fora convocado devido as acusações de seus acusadores: Meleto, Ânito e Lícon); Apologia de Sócrates (narra a defesa de Sócrates feita por ele mesmo); Rífon (já encarcerado Sócrates recebe a visita do amigo mais querido) e, por último Fédon (no qual Platão narra os últimos instantes de vida de Sócrates e o discurso sobre a imortalidade da alma).

Essas obras fazem parte de uma tetralogia estruturada em forma de diálogo e partem da discussão filosófica, mas assumem ramificações religiosas, políticas e éticas, mostrando por que Sócrates passou para a História como fundador da tradição filosófica ocidental.

O fato é que graças ao registro dessas obras, nas quais Sócrates examina vários temas que perduram desde a Antiguidade até os dias de hoje, que o  pensamento Socrático sobreviveu para guiar o curso da filosofia ocidental.

Ao eleger o diálogo como método de investigação, Sócrates foi o primeiro filósofo a se preocupar não só com a verdade, mas com o modo como se pode chegar a ela. Deduzindo que sua sabedoria só podia ser resultado da percepção da própria ignorância, passou a dialogar com as pessoas que se dispusessem a procurar a verdade e o bem.

Sócrates se fazia acompanhar frequentemente por jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas famílias de Atenas. Para Sócrates, ninguém adquire a capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os demais, se não possuir a capacidade de autodomínio.

Depois de Sócrates, a noção de controle pessoal se transformou em um tema central da ética e da filosofia moral. Também se formou aí o conceito de liberdade interior: Livre é o homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites e segue os princípios que, por intermédio da educação, afloram de seu interior.

Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, Sócrates valorizava acima de tudo a verdade e as virtudes — fossem elas individuais, como a coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que tem caráter uno e indivisível.

Segundo Sócrates, só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do saber é o caminho para a perfeição humana, dizia, introduzindo na história do pensamento a discussão sobre a finalidade da vida.

Para o filósofo, só a troca de ideias dá liberdade ao pensamento e à sua expressão — condições imprescindíveis para o aperfeiçoamento do ser humano. Assim, qualquer pessoa que fizesse algo ruim estaria agindo contra sua consciência e, portanto, sentir-se-ia desconfortável.

O mal, ele pensava, era perpetrado pela falta de sabedoria e conhecimento. A partir disso, concluiu que há apenas uma coisa boa: conhecimento; e uma coisa má: ignorância”. O conhecimento é indissociável da moralidade. É a “única coisa boa”, e por essa razão devemos sempre “examinar” nossas vidas.

Para Sócrates, a morte como condenação deixa um grande significado, que é seu exemplo de morrer para deixar vivo aquilo em que acreditava e, consequentemente, um recado aos sofistas de que deveriam não só se preocupar com a oratória, mas também com a verdade, pois a aplicação da primeira sem buscar a segunda não é filosofia.

De acordo com o relato da defesa, em seu julgamento, registrado por Platão, Sócrates escolheu a morte a ter de encarar uma vida de ignorância, recusando-se assim a fugir ou a renegar sua vocação filosófica para salvar sua vida, daí a frase “A vida irrefletida não vale a pena ser vivida”. O filósofo tomou um cálice de cicuta (veneno extraído de uma planta que paralisa gradualmente o corpo), morrendo assim envenenado, rodeado por seus amigos, em 399 a.C.

Após sua morte, seu discípulo Platão condenou a democracia, pois esse julgamento lhe mostrou que ela – a democracia –  poderia calar a verdade tanto quanto a tirania.

A Apologia de Sócrates pode ser considerada como um dos melhores escritos da literatura platônica. Ao final de seu último discurso disse que encerraria por ali, pois já era tempo de ele morrer e os demais continuarem suas vidas, sendo Zeus o único a saber quem estaria melhor.

“É a hora de irmos: eu para a morte, vós para as vossas vidas; quem terá a melhor sorte? Só os Deuses sabem.”

No final, pelo menos, duas questões ficam fervilhando na cabeça do leitor: A primeira questão é se as palavras que Platão "coloca" na boca de Sócrates seriam as mesmas proferidas perante o Tribunal de Atenas ou na verdade refletem o pensamento de Platão em relação às injustiças sofridas por seu mestre?

A outra pergunta é sobre quem efetivamente teve destino melhor: O filósofo que partiu para uma outra dimensão e assim garantiu a integridade da sua dignidade intelectual e moral ou os seus discípulos que permaneceram, mas sob controle ideológico da sociedade ateniense?

Apologia de Sócrates (Platão)
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