Capitães da Areia — Jorge Amado

Capitães da Areia, publicado em 1937, é o sexto romance de Jorge Amado, um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros do século 20.

Neste romance o autor aborda o drama dos meninos de rua — um tema atual — onde narra a vida dos menores que vivem em situação de risco, a exploração social e a luta diária pela sobrevivência, nas ruas de Salvador, na Bahia, na década de 1930.

Jorge Amado, valendo-se de um tom poético, narra em Capitães da Areia, não apenas as peripécias do grupo que sobrevive de furtos, assaltos, pequenas trapaças e atitudes violentas , mas, aborda também, o descaso social com o problema do menor abandonado, seja por meio da reflexão dos garotos ou da exclusão por parte das classes dominantes, que viviam na Cidade Alta, permitindo ao leitor ter uma visão real dessas crianças, que mesmo cometendo delitos, nem por isso, deixam de ter aspirações, pensamentos ingênuos e puros, comuns a qualquer criança.

A obra, escrita na década de 1930, tem relação com o colapso econômico do Brasil após a queda da Bolsa de Nova York, época em que o Brasil viveu a Revolução de 30 — reflexo da revolta de jovens militares, da população de classe média, do proletariado urbano e das oligarquias nordestinas e sulistas.
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Narrada na terceira pessoa, sendo o autor apenas expectador. Comporta-se, durante todo o desenvolvimento do tema, de maneira indiferente, criando e narrando os acontecimentos sem se envolver diretamente com eles.

Sem dúvida, esse tipo de narrativa possibilita mostrar ao leitor o outro lado dos personagens da trama, fazendo com que as espectativas desse mesmo leitor fique a favor dos personagens mais necessitados e excluídos – Capitães da Areia.

A obra é dividida em três partes, subdivididas em vinte e sete capítulos, ora curtos, ora longos. A primeira é composta por supostas cartas em resposta a uma matéria sobre os Capitães da Areia.

Algumas pessoas defendem e outras acusam o grupo. São em torno de quarenta meninos, liderados por Pedro Bala, que roubam para sobreviver e, também, praticavam roubos maiores, o que os tornou conhecidos, temidos e procurados pela polícia para serem enviados ao Reformatório de Menores, que era visto pela sociedade como um estabelecimento modelar para a criança em processo de regeneração, com trabalho, comida ótima e direito a lazer.

No entanto, esta não era a opinião dos menores infratores, pois sabiam que uma vez no reformatório estariam sujeitos a todos os tipos de castigo, assim, preferiam as agruras das ruas e da areia à falsa instituição.

No início, o enredo procura apresentar os personagens do livro — uma forma bastante usada nas narrativas — revelando a personalidade de cada integrante do grupo, bem como, suas características físicas, psicológicas, ambições e frustrações, assim, a história é conduzida em função dos destinos individuais de cada integrante do grupo.

Jorge Amado mostra sua preocupação com a transformação social de seus personagens, como por exemplo, o protagonista da história Pedro Bala — um menino que lidera um grupo de bandidos, mas que, ao desenvolver a consciência de seu papel na sociedade, se converte em líder sindical.

Este processo é vital na visão do autor, tanto assim, que os outros meninos da história que não desenvolvem tal consciência,  não encontram um lugar na sociedade — acabam mortos ou sobrevivem à margem da comunidade.

Assim, Jorge Amado ilustra a marginalização definitiva de uns, como por exemplo: Sem Pernas e Volta Seca e a desalienação de outros, como Professor, Pirulito e Pedro Bala. Entre os personagens da obra, destaca-se Pedro Bala, líder do grupo de garotos e protagonista da história, que apesar de não participar de todas as cenas, é o fio condutor de toda a história, dando um caráter coesivo às diversas situações apresentadas ao longo da narrativa.

Pedro Bala, chamado assim desde seus cinco anos, na época com 15 anos, audaz, ativo e conhecedor de todas as ruas e os becos da cidade, nunca soube de sua mãe e o pai foi morto à bala por liderar uma greve, daí a alcunha do garoto. Tinha um talho no rosto, provocado por uma briga com o antigo chefe do bando, Raimundo, na disputa pela sua liderança.

A primeira Parte — Sob a lua, num velho trapiche abandonado — apresenta o local em que as ações transcorrerão: Trapiche uma espécie de armazém abandonado à beira-mar, numa das praias da capital baiana, de onde vem o nome do grupo.

Localizado na parte baixa da cidade, onde está a zona portuária, o Trapiche representa o único lar que conhecem, é a única referência de casa para eles e que, apesar de ser um espaço degradante, é o lugar onde os  Capitães da Areia  se abrigam, escondem-se, sentem-se seguros e vivem como uma família, procurando se manterem firmes em meio às tempestades do céu e da vida.

Ali constroem suas próprias regras e são os senhores, entretanto, é na área residencial e mais rica, na Cidade Alta, que os menores realizam suas ações infratoras.

Um dos ápices da primeira parte é a chegada de um velho carrossel na cidade. Volta seca e Sem pernas são convidados a trabalhar na restauração do carrossel e, com isso, os dois garotos logram com que todo o grupo divirta-se no carrossel, sem precisar pagar nada, apenas a gasolina do motor.

O autor ao mostrar os garotos divertindo-se, de forma pueril, no velho Carrossel, evidencia a verdadeira condição de cada um deles, isto é, toda a meninice que existia por detrás daquele embrutecimento causado pela miséria em que viviam, mostrando assim,  a essência dos personagens do livro— Pedro Bala e seus comandados são apenas crianças socialmente desamparadas.

Nessa época, a cidade de Salvador teve uma epidemia de varíola e quando esta chegou à praia, todos temiam a doença, pois quem a adquirisse devia ser entregue ao governo que os mandava para o lazareto, e tinham como fim a morte.

Como os pobres não tinham acesso à vacina, muitos morriam isolados no lazaretto e foi asssim que Almiro, o primeiro do grupo a ser infectado, ali morreu. Já Boa Vida teve outra sorte — saiu de lá, andando.

Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos é um dos destaques da segunda parte do livro que introduz a garota Dora na narrativa. Relata a história de amor que surge quando Dora torna-se a primeira Capitã da Areia.

Por meio desta personagem o leitor conhece o lado mais humano dos garotos, como se a marginalização de que são vítimas explicasse os atos delinquentes que cometem.

É notório que os meninos, precocemente atirados à vida adulta, sentiam falta de uma figura materna que os embalasse e os consolasse. Conheciam o sexo, praticado em geral com as “negrinhas do areal” e por isso, ao conhecerem Dora, uma menina de 13 anos, todos a cercam com intenções libidinosas.

Dora, protegida pelo Professor e por João Grande, acaba conquistando o respeito dos meninos, tornando-se uma espécie de mãe e irmã ausentes na vida deles, exceto o Professor que mantinha por ela um amor platônico e Pedro Bala que a considerava uma espécie de "estrela", que o guiou e o conduziu a sonhar simplesmente com o seu amor, tornando-a sua musa e integrante ativa do grupo.

Outro capítulo que merece destaque é O Trapiche que conta como Pedro Bala se tornou o chefe dos capitães da areia, descrevendo o lugar onde o grupo se esconde da polícia e das pessoas que tentam levá-los à polícia.

Descreve também, um pouco das condições de vida dos garotos, que por sinal é muito ruim, uma vez que passam fome e não tem roupas, apenas farrapos, sujos e rasgados.

Pode-se destacar ainda o capítulo Docas onde Boa vida e Pedro Bala vão até as docas, onde encontram o amigo João de Adão e Pedro Bala acaba descobrindo que seu pai — que ele nem chegou a conhecer — trabalhou nas docas, foi um homem respeitado que lutava pelos direitos de todos que ali trabalhavam, organizando greves para reivindicar melhores condições de vida aos trabalhadores. A partir daí Pedro vê em seu pai um herói e quer seguir seus passos.

Podemos citar ainda, O Capítulo Manhã como um Quadro, no qual participam Pedro Bala e o Professor. Professor é o único do grupo que sabe ler, além de desenhar muito bem, o que faz de vez em quando para ganhar uns trocados.

Numa dessas ocasiões, um homem vê seus desenhos e lhe diz que ele pode ganhar muito dinheiro com isso. Após o homem ir embora , Professor rasga o cartão e comenta com Pedro Bala: Nenhum deles vai conseguir fazer algo para mudar meu futuro.

Outro ponto determinante no desenrolar da história é quando alguns meninos do grupo são presos, durante uma tentativa de assalto, e, entre os presos, estão Pedro Bala, Dora, João Grande, Sem Pernas e Gato.

Num ato de coragem, Pedro Bala consegue distrair os policiais para que os amigos possam fugir, no entanto, ele e Dora são presos. Pedro vai para o reformatório — onde é torturado pela polícia — e Dora para o orfanato, onde também foi torturada. 

Bala consegue fugir e com a ajuda do grupo resgata Dora que estava ardendo em febre, porém, esta não resite e morre em poucos dias. Na mesma noite em que morre, ela e Pedro entregam-se um ao outro, tornando-se esposos.

A terceira e última parte — Canção da Bahia, Canção da Liberdade — Mostra o início do fim de cada um dos Capitães da Areia, que pouco depois da morte de Dora, começam a mudar de vida.

Padre José Pedro acabou ganhando sua capela e Pirulito foi embora com ele para trabalhar na Igreja de Cristo;

Sem Pernas acabou morrendo ao fugir da polícia, mas não deu o prazer aos policiais de o pegarem;

Gato foi para Ilhéus junto com Dalva, onde vivia da malandragem, depois voltou a Salvador, mas só de passagem, pois já ia embora com uma negrinha;

Boa Vida parou aos poucos de voltar ao trapiche e vivia em farras, amando a Bahia e tocando modas no seu violão;

Professor foi para o Rio de Janeiro e se tornou um pintor, onde procurava expressar todo o drama que viveu junto com os capitães e o amor platônico que sentia por Dora;

Volta seca foi atrás de seu padrinho Lampião e se tornou um cangaceiro, mas acaba sendo preso pela morte de mais de 35 homens.

Os demais capitães da areia se envolveram com as greves e lutavam a favor do povo. Alberto, um estudante, sempre os visitava e juntos lutavam pelo ideal grevista.

A pedido de Alberto, Pedro Bala partiu para organizar os Índios Maloqueiros de Aracaju e, mais tarde, encontra na luta sindical a esperança, tornando-se o porta voz das pessoas que precisavam de alguém para defende-las.

O posto de líder dos capitães da areia foi entregue a Barandão, depois que Pedro Bala partiu para Aracaju.

Na época em que a obra foi escrita, Salvador, geograficamente, era dividida em cidade alta , lugar da classe alta, dos ilustres da burguesia, dos poderosos, e  cidade baixa,   onde moravam os excluídos e marginalizados pela sociedade, o que levou o autor a utilizar o espaço para caracterizar, guiar e transformar a vida dos personagens, tanto no que se refere às suas ações quanto suas personalidades.
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Se tomarmos em conta que alto significa elevado e baixo significa inferior, faz sentido o fato de que os Capitães da Areia, então habitantes da cidade baixa, serem desprezados pelos moradores da cidade alta, o que nos leva a concluir que os da alta  queriam que os da baixa  fossem para as prisões ou reformatórios e, por sua vez, os da baixa queriam acabar com os da alta, para assim por um fim na desigualdade de classes.
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Sabe-se que para escrever Capitães da Areia, Jorge Amado foi dormir no trapiche com os meninos, esteve com eles, experimentou a situação de abandono, pesquisou como viviam em Salvador e a sua relação com a classe dominante, o que ajuda a explicar a riqueza de detalhes, o olhar de dentro e a empatia que estão presentes na história.

Publicado em 1937, Capitães da Areia causou escândalo e teve a sua primeira edição apreendida e queimada em praça pública pelas autoridades do Estado Novo.

Em 1944 surge nova edição e, desde então, sucederam-se as edições nacionais e estrangeira, e as adaptações para a rádio, televisão e cinema.

Mais atual do que nunca, a história dos Capitães da Areia ao longo do tempo, não perdeu viço nem atualidade, pelo contrário, a vida de cada um deles com suas carências e ambições — do líder Pedro Bala ao religioso Pirulito, do ressentido e cruel Sem Pernas ao aprendiz de cafetão Gato, do sensato Professor ao rústico sertanejo Volta Seca — têm conquistado várias gerações de leitores que, a cada leitura, sofrem e torcem para que os Capitães da Areia conquistem um espaço, respeito, dignidade e sua tão sonhada liberdade.

Poder-se-ia dizer que Capitães da Areia é talvez o romance mais influente de Jorge Amado. Além de ser um dos clássicos da literatura brasileira utilizado em sala de aula e, também, constar na lista dos livros obrigatórios do vestibular da Fuvest e Unicamp, retrata um do maiores problemas sociais que perdura, portanto, bastante atual e, se não é, deveria ser uma das maiores preocupações sociais: a questão do menor abandonado.

Dados Técnicos:
Nome: Capitães da Areia
Autor: Jorge Amado
Editoras: Companhia das Letras/Companhia de Bolso
Nº da edição: 1/1
Ano Publicação: 2008/2009
Assunto: Literatura Brasileira-Romances
Preço: de R$ 13,30 a R$ 29,20
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