O Espelho
de Machado de Assis, apresenta um estudo sobre as questões da alma humana, da contradição entre “o parecer e o ser”. Através de uma análise do
comportamento humano, o autor trata da dualidade da alma.
Assim, a alma externa que "olha de fora para dentro" está ligada ao status e à imagem que os outros fazem de nós e é muito mais importante do que a nossa “alma interna” que "olha de dentro para fora" transmitindo os anseios particulares e a valorização da consciência individual.
Assim, a alma externa que "olha de fora para dentro" está ligada ao status e à imagem que os outros fazem de nós e é muito mais importante do que a nossa “alma interna” que "olha de dentro para fora" transmitindo os anseios particulares e a valorização da consciência individual.
Publicado em 1882, O Espelho é um dos contos
que integra o livro Papéis Avulsos, primeiro
livro de Machado de Assis, composto inteiramente de contos e está entre as
primeiras publicações de sua fase madura com algumas das características que
imortalizaram o autor: o humor sutil, o pessimismo, o ceticismo, a ironia e as
denúncias implacáveis que revelam os mais perversos segredos de uma sociedade
maculada pela máscara da hipocrisia.
A história inicia-se com a descrição do espaço físico Santa Tereza (bairro bucólico de classe media alta no Rio de Janeiro), que representa o local para as discussões entre quatro ou cinco amigos que investigam assiduamente as questões imateriais sobre a alma e o universo.
A história inicia-se com a descrição do espaço físico Santa Tereza (bairro bucólico de classe media alta no Rio de Janeiro), que representa o local para as discussões entre quatro ou cinco amigos que investigam assiduamente as questões imateriais sobre a alma e o universo.
Na
verdade, eram quatro os que falavam, já que o quinto personagem, Jacobina, que como os outros tinha quarenta e cinco anos,
demonstrava apatia e, geralmente, fazia-se
presente na discussão com um simples murmúrio
de aprovação.
Jacobina
dizia que o homem não tem uma, mas duas almas: a que olha de dentro para fora e
a que olha de fora para dentro. A alma
interior representa o que se é verdadeiramente; a alma
exterior é o modo como os outros percebem o eu — é a experiência pública, a máscara
social.
Assim,
naquela noite, diante da insistência de um dos presentes por um posicionamento
a respeito do assunto, Jacobina se propõe a expor sua teoria desde que não seja
interrompido.
“Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um
caso de minha vida... Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas... Cada criatura humana traz duas almas consigo:
uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro... não
admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir.”
Jacobina era um jovem pobre e morava numa vila,
portanto, tinha poucas chances de ascender ao universo das relações sociais da
Corte. Aos 25 anos foi nomeado Alferes da
Guarda Nacional, o que lhe rendeu uma mudança significativa de status e,
consequentemente, ascensão social.
Travestido
de um título social, o jovem passa a carregar “a farda e o fardo” de um posto
militar, enaltecido pela família, invejado por seus amigos, estranho à natureza
do corpo e da alma, já que agora ele era o "Sr. Alferes".
É possível perceber essa mudança no protagonista
quando este aceita passar alguns dias na fazenda de sua tia Marcolina, viúva de
um capitão, onde passa a ser chamado de “senhor Alferes”. Isto faz com que o
jovem elimine o homem e dê lugar ao Sr.
Alferes, já que a percepção que tinha de si mesmo passou a ser
aquela que outros tinham dele.
A partir de então tudo começou a mudar em sua vida. A valorização de sua
pessoa foi sendo substituída exclusivamente pela valorização do cargo que
assumira. O alferes havia eliminado o homem.
Por conta de seu status,
Marcolina coloca em seu quarto um
grande espelho, proveniente da Família Real Portuguesa. A entrada do espelho no quarto de Jacobina é
extremosamente descrita e meticulosamente marcada no conto, pois o objeto mais
precioso da casa reproduzirá aquela imagem do novo Jacobina, criada pela sua
passagem a Alferes.
Pouco tempo depois Marcolina sai de viagem às pressas,
deixando Jacobina sozinho. A
princípio, os criados trataram-no com muita cortesia, porém, aproveitando a
ausência da senhora, fugiram no meio da noite, deixando o “Nhô Alferes”
completamente sozinho.
Jacobina sofre com a solidão e com os penosos dias de
angústia pela perda repentina de sua alma exterior. Longe do olhar que lhe atribui sentido, valor, ele não
existe, tanto que o homem de
farda passa a ser mais importante do que seu eu verdadeiro.
O protagonista, portanto, em um primeiro momento, vê a alma exterior apossar-se da interior, anulando o homem e impondo o Alferes. Depois, quando se encontra acuado, sozinho, Alferes o abandona, vai embora com as pessoas, porque ele, Alferes, precisa da relação dialógica com os outros para existir.
O protagonista, portanto, em um primeiro momento, vê a alma exterior apossar-se da interior, anulando o homem e impondo o Alferes. Depois, quando se encontra acuado, sozinho, Alferes o abandona, vai embora com as pessoas, porque ele, Alferes, precisa da relação dialógica com os outros para existir.
Sozinho em casa, sem o reconhecimento originário do mundo exterior, num certo
momento, ele decide olhar-se no espelho e percebe que a imagem ali refletida, na
ausência dos outros, estava corrompida e difusa, assim como a imagem que ele
fazia de si mesmo. Não conseguindo enxergar a si mesmo, o protagonista parece perder sua identidade — não pode ser mais o alferes, nem tão pouco o
homem de outrora — na medida em que se
vê privado das relações dialógicas com o meio social.
Não
conseguindo enxergar a si mesmo com nitidez, Jacobina resolve vestir sua farda
e olhar-se no espelho. Dessa vez a imagem refletida era nítida e com clareza de
detalhes e contornos. Recuperando, assim, a “alma exterior” que preenchia sua
“alma interior”, Jacobina conseguiu evitar a solidão nos dias que se passaram.
Recuperando, assim, a “alma exterior” que preenchia sua “alma interior” e, simultaneamente, vai restituindo a vida ao rapaz que na
falta do olhar do espelho do outro, ele mesmo vai ao espelho que lhe refletirá
o que ele quer parecer.
A partir de então, todos os dias, a certa hora
do dia, Jacobina passou a vestir-se de alferes e sentava-se em frente do
espelho, lendo, meditando e, depois de duas ou três horas, despia-se. E assim Jacobina
consegue enfrentar a solidão.
“Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...”
“Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...”
De volta ao salão, Jacobina
deixa seus companheiros na mais profunda reflexão e vai-se embora, provavelmente
para evitar o confronto, a discussão ou
qualquer situação capaz de expor sua
individualidade.
Machado
de Assis, considerado por muitos, o maior nome da Literatura Brasileira, é
conhecido por ser um estudioso da alma humana em seus romances e, neste conto, ele
acaba por refletir a relação dialógica do indivíduo com a sua autoimagem. Carregado de simbolismo e significados que vão
da filosofia à mitologia, O Espelho tem como tema central a questão da identidade, cujo
protagonista, Jacobina, é o narrador da história, que passa por um processo
de reestruturação ao confrontar-se com
sua própria imagem no espelho.
Na
verdade, o espelho entra no enredo como o elemento que representa o meio de
enganar a alma exterior, de enganar esse estranho que se apodera do
protagonista e depois o abandona, levando suas forças. E o fato do espelho ter pertencido
a nobres vindos com a corte de D. João VI, nos permite visualizar um outro sentido para o
O
Espelho que além de evidenciar a vaidade do homem, também mistura a
tradição do objeto com o prazer de ser visto por si próprio e pelos outros.
"Está claro que o ofício da segunda alma é transmitir a vida,
como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma
laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e
casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência
inteira."
O Espelho —
Esboço de uma nova teoria da alma humana
Autor: Machado de Assis
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a R$ : 34,00
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