Livro das Perguntas – Pablo Neruda

Pablo Neruda, um dos maiores poetas do século XX, foi um perguntador natural que pareceu amar as perguntas mais que qualquer outro poeta. O Livro das Perguntas foi publicado um ano após sua morte, onde ele mostra toda a riqueza e potencial interrogativo do ato de perguntar tal como faria uma criança. Seriam estas algumas das perguntas que nós, crianças e adultos, fazemos em silêncio e que Neruda tornou público?  

No Livro das Perguntas os  poemas são interrogações, perguntas sem respostas, escritas ao longo de sua vida, posteriormente agrupadas e publicadas pela primeira vez em 1974,  pela editora Losada, na Argentina. Composto de 74 poemas com 4, 5 ou 6 perguntas, sem título, o livro traz uma viagem ao imaginário de Neruda,  que  com sua habilidade e sensibilidade instiga a inquietaçao e a curiosidade do leitor, convidando-o a refletir sobre o mundo, os homens, a natureza, o significado da vida e da morte e também da sua própria existência. 

Neruda faz uma enxurrada de perguntas e o livro fica parecendo o registro de  crianças fazendo perguntas sem parar.  Durante a leitura, muitas vezes, o leitor vai se flagrar formulando  suas próprias perguntas e a cada pergunta arranca um suspiro, um sorriso, um sinal de aprovação ou não. São perguntas simples, engraçadas e fora do comum, cheias de uma ingenuidade que o leitor adulto já perdeu, mas que nesse momento voltam à sua mente e o conduzem a ver, a pensar, a perceber as coisas e a compreender melhor a si mesmo.  

As ilustrações com fotos, colagens e instalações do artista plástico espanhol Isidro Ferrer não tentam responder às perguntas de Neruda, mas capturam a essência dos poemas, trabalhando indistintamente para adultos e crianças.

Embora o livro esteja classificado na categoria infantojuvenil,  há quem considere o Livro das Perguntas uma leitura obrigatória para todas as idades, onde o leitor é “convidado” a  procurar respostas. Mas, será que existe respostas possíveis para perguntas impossíveis? Será que os versos de Neruda estariam imitando a criança ainda não amadurecida dentro de cada um de nós?  Será que o poeta pretendia simplesmente destinar seu livro às crianças? Ou será um livro que pode ser lido por crianças e compartilhado pelo público adulto?  

O fato é que o Livro das perguntas nos coloca diante de uma infância que parece cobrar outra dimensão independentemente da idade que se tenha.  E se a infância é tida como uma etapa de transição que representa o futuro e o passado do qual nós adultos provimos, então, quando alguém adentra na infância e brinca com as palavras, também está brincando com os sentidos já existentes e ao mesmo tempo criando novos sentidos para compreender esse mundo.

O poeta Pablo Neruda deixa o leitor perplexo com suas  perguntas ora sentimentais, ora insensíveis, ora pertubadoras,  instigando-o a continuar lendo e ao mesmo tempo estimulando seus pensamentos à procura de uma resposta ou até mesmo uma solução para cada pergunta, transformando o perguntar em um instrumento eficaz, legítimo e  inspirador.


Vejamos, então, algumas das perguntas que deixou o poeta Pablo Neruda:  

⇲ A fumaça fala com as nuvens?

⇲ A morte não seria enfim uma cozinha interminável?

⇲ A quem dirijo esta pergunta?

⇲ Ainda ontem disse aos meus olhos: quando de novo nos veremos?

⇲ As lágrimas que não choramos esperam em pequenos lagos? ou serão rios invisíveis que escorrem até a tristeza?

⇲ Como dizer à tartaruga que a supero em lentidão?

⇲ Como perguntar à pulga qual seu recorde de saltos?

⇲ Como sabem as estações  que devem trocar de camisa?

⇲ De que cor é o perfume do pranto azul das violetas?

⇲ De que ri a melancia quando a estão assassinando?

⇲ E o mar não está emprestado à terra por curto prazo?  Não teremos que devolvê-lo com suas marés à lua?

⇲ E onde o espaço termina  se chama morte o infinito?

⇲ E que devo dizer aos cravos agradecendo-lhes o perfume?

⇲ E que importância tenho eu no tribunal do esquecimento?

⇲ E se minh’alma desabou por que meu esqueleto prossegue?

⇲ É verdade que a tristeza é larga e estreita a melancolia?

⇲ É verdade que as esperanças devem ser regadas com orvalho?

⇲ É porque tem que morrer, ou porque tem que viver?

⇲ Há alguma coisa mais triste no mundo que um trem imóvel na chuva?

⇲ Mas por que a quinta-feira não aceita vir depois da sexta?

⇲ Me diga, a rosa está nua ou só tem esse vestido?

⇲ Não era verdade que Deus vivia no mundo da lua?

⇲ Não seria a vida um peixe preparado para ser pássaro?

⇲ Não te enganou a primavera com beijos que não floresceram?

⇲ Onde a lua cheia deixou o seu saco noturno de farinha?

⇲ Onde está o menino que fui: anda comigo ou evaporou-se?

⇲ Onde fica o umbigo do mar?

⇲ Onde terminará o arco-íris: dentro da alma ou no horizonte?

⇲ Para onde vão as coisas do sonho?   Vão para o sonho dos outros?

⇲ Para quem sorri o arroz com infinitos dentes brancos?

⇲ Pois não foi onde me perderam que eu me dei, enfim, por achado?

⇲ Por que andam as ondas me indagando sobre as mesmíssimas perguntas?

⇲ Por que as árvores escondem o esplendor de suas raízes?

⇲ Por que até ali não chegam as ondas?

⇲ Por que choram tanto as nuvens e cada vez são mais alegres?

⇲ Por que nas épocas obscuras se escreve com uma tinta extinta?

⇲ Por que o tubarão não ataca as destemidas sereias?

⇲ Por que se suicidam as folhas quando se sentem amarelas?

⇲ Por que vou girando sem rodas e voando sem asas nem penas?

⇲ Posso perguntar ao meu livro se eu mesmo o escrevi? Desde quando?

⇲ Qual o trabalho forçado de Hitler no Inferno? Pinta paredes ou cadáveres?  Ou fareja o gás de seus mortos? Ou lhe martelam na boca os arrancados dentes de ouro? Ou deve morrer sem morrer eternamente sob o gás?

⇲ Quando minha infância se foi por que nós dois não fomos juntos?

⇲ Quantas igrejas tem o céu?

⇲ Quantas perguntas tem um gato?

⇲ Quantas semanas tem um dia e quantos anos tem um mês?

⇲ Que distância em metros redondos há entre o sol e as laranjeiras?

⇲ Que vim fazer neste planeta? A quem dirijo esta pergunta?

⇲ Quem é aquela que te amou nos sonhos enquanto dormias?

⇲ Quem gritou de alegria quando nasceu a cor azul?

⇲ Quem sabe lá de onde vem a morte: de cima ou de baixo?

⇲ Sabe que nunca fui com ele nem ele comigo tampouco?

⇲ Se acabar o amarelo, com o que vamos fazer o pão?

⇲ Se todos os rios são doces de onde o mar tira o sal?

⇲ Sofre mais quem espera sempre ou quem nunca esperou ninguém?

⇲ Talvez uma estrela invisível seja o céu dos suicidas?

⇲ Tem coisa mais boba na vida que chamar-se Pablo Neruda?


Pode-se dizer que as pessoas costumam formular perguntas porque tudo ao seu redor lhes parece questionável. E, ao longo do tempo, também aprendem que o questionar é importante e que pode significar, por alto, demonstração de interesse, crescimento e mudanças.  Assim, à  medida que se esforçam para responder as perguntas às quais são confrontadas, sua própria reflexão é estimulada e naturalmente fluem algumas respostas.   

Talvez as perguntas deste livro, mais do que satisfazer a curiosidade do leitor, provoque nele novas perguntas. E são provavelmente essas novas perguntas, as mais importantes para cada leitor, que o desafiam a continuar buscando respostas que o ajudem a compreender o mundo e sua existência.

No final do livro há depoimentos de várias crianças. Entre elas, uma menina de 10 anos diz:  “São tantas dúvidas que desconfio que não sejam para a gente responder. Acho mesmo que são para pensar”.  

Isso mesmo Ler, Reler, Pensar e quem sabe Responder!  Afinal, enquanto houver perguntas haverá  um mundo de possibilidades, assim, não se surpreenda se, de repente, esboçar aquele sorriso de lado diante de  algumas respostas que poderia dar para tal pergunta ou até ver nas pequenas coisas cotidianas algumas respostas que podem rebater algumas perguntas. Quem sabe? Há que ler e pensar, ou não?  


Livro das Perguntas
Autor: Pablo Neruda
Ilustrações: Isidro Ferrer
Tradução: Ferreira Gullar
Capa: Ângela-Lago
Posfácio: Herrín Hidalgo
Editora: Cosac Naify
Ano: 2008
Idioma: Português
Preço: De R$ 19,90 até R$ 37,99


Tags:
Pablo Neruda, poeta, livro das perguntas, crianças, adultos, Argentina, Isidro Ferrer.