Caminhando na Chuva – Charles Kiefer

Em Caminhando na Chuva, o autor gaucho Charles Kiefer conta a história de Túlio Schüster, um jovem pobre, de descendência alemã, que vive numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Com a literatura na alma e as palavras incrustadas em seu ser, em meio ao Regime Militar, escreve e conta sobre sua pobreza, seus amores, seus sonhos, seus medos e suas desilusões e, é nesse misto de sentimentos, que caminhar na chuva é sua grande felicidade — É assim que se diferencia dos outros, é assim que limpa sua alma.

O leitor se identificará com algumas situações vivenciadas  por Túlio, como problemas com dinheiro, com romances, com escola, com emprego e, até mesmo, com a necessidade de refletir caminhando na chuva. - Caminhando na Chuva"Quando chove - gosto de dia de chuva - saio a caminhar. Por que prefiro caminhar quando chove? Os outros, os habitantes bisbilhoteiros e chatos, estão em suas casas, por isso saio na chuva.”

No teto do quarto do autor Charles Kiefer, escrito em verde, uma frase de Sartre que o incentivou a trabalhar com determinação no seu projeto de ser escritor: Um homem será, antes de mais nada, aquilo que tiver projetado ser”.

Esta frase é a epígrafe de Caminhando na Chuva, a obra de estreia de Charles Kiefer na literatura, que teve mais de 100 mil exemplares vendidos, com vinte edições no Brasil e uma em Portugal.

Em Caminhando na Chuva,  Túlio Schüster é um jovem de 20 anos que rememora suas férias na casa dos avós, as viagens de caminhão com o pai, a escola, a descoberta do amor e da literatura — seus afetos, desafetos e interesses.

 De origem simples, seus pais não tinham condições financeiras, porém, apesar de tudo, Túlio era muito feliz. Morava em uma fazenda com seus avós, gostava muito de pescar, caçar e ver a noite cair.

Túlio adorava o contato de corpo e alma com a natureza; a peregrinação pelas estradas do país ao lado do pai, que era caminhoneiro;  as aventuras com o primo Basílio, que vinha de Porto Alegre nas férias de dezembro e trazia na mala e “na cabeça”  muitas novidades.

Ele admirava muito sua avó, pois sempre fazia tudo para todos, trabalhava na agricultura, cultivava alguns produtos, cuidava de alguns animais, cuidava da casa, da família e nunca reclamava de nada, era uma mulher muito forte e muito admirada pelo seu neto. Porém, ao mesmo tempo, Túlio tinha muita pena de sua avó, pois achava que as mulheres da época eram tratadas pior do que animais.

Às vezes, Túlio sentia-se reprimido, sem espaço para expressar o que sentia, então, nos dias de chuva, quando justamente  a maioria se ausentava das ruas, ele saia para caminhar sozinho, pois podia chorar com a intensidade que desejasse, sem que ninguém o repreendesse, pelo fato das lágrimas serem confundidas com as gotas de chuva. Essa era uma das formas que ele tinha para desabafar, sentir seus próprios passos e encontrar o caminho que o levaria mais longe.

"Agora vou parar de escrever, a chuva me convida a sair, a cidade está morta, mergulhada em silêncio, não há um carro nas ruas, nem um cão, nem uma pessoa. Até o momento em que romper a aurora, até o instante em que o sol explodir anunciando minha nova vida, e um novo tempo, vou ficar caminhando na chuva."

E é no meio dessa complexa fase da vida do jovem que ganha uma bolsa de estudos na escola João XXIII, onde Túlio conhece alguns dos amigos importantes em sua vida, como Paulo, Jaime e Ivo. Também é lá que se indispõe com o professor de geografia, Fonseca, mas, ao mesmo tempo toma contato com outros dois professores, Valdir e João, que representam seus amigos do peito.  

Além de Túlio ser o aluno mais pobre, seu pai, por ser caminhoneiro, representava para ele uma vergonha diante de seus amigos.  O fato é que Túlio vivia numa cidade cheia de preconceitos e como se não bastasse, conhece na nova escola, seu primeiro e grande amor,  Rosana, que por ser rica e ele pobre, a família dela não aceita o relacionamento. É nesse emaranhado de decisões e vacilações em torno da paixão dos dois jovens, que engrandece Caminhando da Chuva.

Túlio não desiste de sonhar e  continua caminhando na chuva para poder chorar e sentir um pouco de liberdade, mas nada o faz esquecer Rosana, já que seu pai a tinha enviando para Porto Alegre para estudar.  

Sozinho, triste  e cheio de dúvidas, decide seguir o caminho da esperança e vai a Porto Alegre, pois ele acredita que por fim encontrará Rosana,  conseguirá um bom emprego e os dois irão viver sua paixão, sem preconceitos, em Paris.

Keifer escreve de forma simples e engraçada,  permitindo uma interação com o leitor. Ao longo do livro, o leitor ainda encontrará uma variedade de frases de impacto,  dentre outras, destacamos:

• Mas, por ser pobre, por não ter o que os outros tinham, passei a ter mais que os que tinham tudo. Cultura é uma forma de status.

• Quem sabe chorar também sabe explodir de alegria

É importante lembrar que Charles Kiefer escreveu esta novela em uma época conturbada por princípios éticos e socias, das quais ele não fazia parte e era premiado por várias dificuldades que para ele, não tinham solução na pequena cidade onde morava.

O leitor se identificará com algumas situações vivenciadas  por Túlio, como problemas com dinheiro, com romances, com escola, com emprego e, até mesmo, com a necessidade de refletir caminhando na chuva.

É um livro para ser lido em poucas horas não só pelo tamanho como também pelo ritmo do texto — É uma história “sem fim” que deixa uma interrogação na cabeça do leitor.

Vinho Branco
Exerto extraído do livro “Caminhando na chuva”

Aprendi a beber vinho branco com Rosana, domingos à tarde, quando a gente ficava namorando na sala, na casa dela. Agora não tenho bebido, que o preço anda terrível. Vinho branco e poesia. Tenho bebido a última, que também embriaga. E lembrado as músicas que ouvíamos nos longos domingos. Longos agora, naquele tempo voavam. Bebe em golinhos — ela dizia. O segredo das boas coisas está em senti-las devagar, degustando. O amor é assim também. Não ter pressa. Percorrer o corpo com paciência budista.

Se tinha sexo? E não era sexo os olhares carregados de desejo? Não era sexo os beijos molhados, de língua? Não era sexo o contato, o sentir o corpo sob as roupas? Não era sexo o tocar a face com a mão trêmula? 

Queria ter agora, ao lado da máquina, um copo de vinho branco. Queria o corpo de Rosana, nu, sobre a cama. Não ia escrever, ou talvez escrevesse uma outra história, melhor, sem rodeios e lugares-comuns.

Não tenho vinho branco, e nem Rosana. Mas tenho a certeza de que a terei, não desisto assim tão fácil.

Devia descrever a cena ridícula em que o pai de Rosana mandou que me retirasse de sua casa etc. Não quero mexer em feridas. Foi há um ano, e não houve tragédia. Ele simplesmente exerceu o seu poder de pai, de proprietário da filha, de dono de seu destino. Meteu-a no carro e levou-a a Porto Alegre.

Fui pra casa e fiz aquela bobagem que já falei, aquela besteira de meter a gilete no pulso. Coisa de idiota. Puxa vida! Quem ia mesmo sair perdendo teria sido eu, que, morto, não ia nunca mais ver a Rosana.

É que pensei apenas na minha dor, no meu sofrimento, fui um tremendo individualista, ela também estava sofrendo, aquilo não foi uma coisa justa da minha parte, mas não é bom ficar falando disso, por que o que passou é morto, acabou.


Um pouco sobre o autor
Charles Kiefer nasceu na cidade de Três de Maio, Rio Grande do Sul, em 1958. Formou-se em Letras na PUC-RS. É mestre e doutor em Teoria da Literatura e professor de Literatura.

É contista, romancista, cronista, tradudor e ensaísta. Um de seus livros, Caminhando na chuva, é um dos mais vendidos na história editorial do Rio Grande do Sul.  O escritor reside em Porto Alegre, RS.

Em 1985, Kiefer ganhou projeção nacional com a novela O Pêndulo do Relógio, agraciada com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. Em 1993, com o livro de contos Um Outro Olhar o escritor recebeu outro Prêmio Jabuti. E em 1996, com Antologia Pessoal, o terceiro Prêmio Jabuti.

O autor vem acumulando nos últimos anos uma série de outras premiações, entre elas o Prêmio Guararapes, da União Brasileira de Escritores, para O Pêndulo do Relógio; O Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, em 1993, por Um Outro Olhar; e o Prêmio Altamente Recomendável para Adolescentes, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, em 1986, para o livro infanto-juvenil Você Viu Meu Pai Por Aí?, entre dezenas de outros.

Tem mais de 30 livros publicados no Brasil, na França e em Portugal. As editoras Ática, Record e Leya são suas principais casas publicadoras no Brasil.

Em 2010, a Editora Leya publicou Para Ser Escritor, obra em que o autor elabora seus mais de 25 anos de experiência como professor de oficinas literárias.

Charles Kiefer é professor de Escrita Criativa, Produção de Textos Poéticos, Oficina de Criação Literária e Conto Brasileiro: Teoria e Prática, na PUCRS, e orientador de oficinas literárias particulares.
Fonte: charleskiefer.blogspot.com

Caminhando na Chuva
Autor: Charles Kiefer
Editora: Leya Brasil (2012)
Edição comemorativa de 30 anos
Assunto: Literatura Brasileira-Romances
Preço: De R$ 9,90 até R$ 29,90

Tags:
Caminhando na Chuva, Charles Kiefer, Porto Alegre, Rio Grande do Sul
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